A "modéstia dos olhos" pouco nos servirá se não vigiarmos sobre o nosso coração. "Aplica-te
com todo o cuidado possível à guarda do teu coração, diz o Sábio (Prov
4, 27), porque é dele que procede a vida". É aqui o lugar apropiado para
se dizer algumas palavras sobre as amizades e, primeiramente, sobre as
santas, depois sobre as puramente naturais e, afinal, sobre as
perigosas.
1)
Descrevendo São Paulo a corrupção moral dos gentios, enumerava entre
seus vícios a falta de sentimento e de susceptibilidade para a amizade.
A amizade, segundo São Tomás, é mesmo uma virtude.
A perfeição não proíbe se entretenham amizades, diz São Francisco de Sales; exige somente que sejam santas e edificantes, a saber, só devem ser mantidas aquelas uniões espirituais por meio das quais duas, três ou mais pessoas, comunicam entre si seus exercícios de devoção, seus desejos piedosos e sentimentos nobres, tornando-se como que um só coração e uma só alma para a glória de Deus e o bem espiritual próprio e alheio. Com toda a razão podem tais almas exclamar: "Vede quão bom e suave é habitarem os irmãos em união" (Sl 132, 1).
São Francisco diz mais que, em tal caso, o suave bálsamo da caridade destila de coração em coração por meio dessas mútuas comunicações, e bem pode-se dizer que Deus lança Sua benção sobre tais amizades, por toda a eternidade (Fil., III, c. 19).
A amizade, segundo São Tomás, é mesmo uma virtude.
A perfeição não proíbe se entretenham amizades, diz São Francisco de Sales; exige somente que sejam santas e edificantes, a saber, só devem ser mantidas aquelas uniões espirituais por meio das quais duas, três ou mais pessoas, comunicam entre si seus exercícios de devoção, seus desejos piedosos e sentimentos nobres, tornando-se como que um só coração e uma só alma para a glória de Deus e o bem espiritual próprio e alheio. Com toda a razão podem tais almas exclamar: "Vede quão bom e suave é habitarem os irmãos em união" (Sl 132, 1).
São Francisco diz mais que, em tal caso, o suave bálsamo da caridade destila de coração em coração por meio dessas mútuas comunicações, e bem pode-se dizer que Deus lança Sua benção sobre tais amizades, por toda a eternidade (Fil., III, c. 19).
Tais
amizades são recomendadas pela Escritura mesma, em termos eloquentes:
"Nada se pode comparar com o valor de um amigo fiel, e o valor do ouro e
da prata não iguala a bondade de sua fidelidade" (Ecli 6, 16). "Um
amigo fiel é um remédio para a vida e a mortalidade, e os que temem o
Senhor encontram um tal" (Idem).
Mas
como podeis aconselhar as amizades particulares, dirá alguém, quando
elas são tão rigorosamente condenadas por todos os ascetas?
Respondo: As amizades particulares são proibidas unicamente nos claustros e com toda a razão, pois é imperiosamente necessário que todos os religiosos se amem mutuamente com amor fraterno, para que haja uma vida comum claustral.
Ora, num claustro, as amizades particulares podem facilmente ocasionar perturbações dessa mútua caridade, dando ocasião a invejas, suspeitas e outras misérias humanas. São Basílio não hesitou dizer que as amizades particulares em um convento são uma sementeira perpétua de invejas, de desconfianças e inimizades. O mesmo acontece nas famílias em que o pai ou a mãe tem mais carinhos para um filho que para os outros. Os filhos de Jacó odiavam seu irmão José, porque seu pai lhe dedicava um amor especial.
Respondo: As amizades particulares são proibidas unicamente nos claustros e com toda a razão, pois é imperiosamente necessário que todos os religiosos se amem mutuamente com amor fraterno, para que haja uma vida comum claustral.
Ora, num claustro, as amizades particulares podem facilmente ocasionar perturbações dessa mútua caridade, dando ocasião a invejas, suspeitas e outras misérias humanas. São Basílio não hesitou dizer que as amizades particulares em um convento são uma sementeira perpétua de invejas, de desconfianças e inimizades. O mesmo acontece nas famílias em que o pai ou a mãe tem mais carinhos para um filho que para os outros. Os filhos de Jacó odiavam seu irmão José, porque seu pai lhe dedicava um amor especial.
Não
há, além disso, nenhum motivo de se alimentar tais amizades num estado
religioso, pois, num convento, onde reinam a disciplina e a ordem, todos
os membros tendem ao mesmo fim, à perfeição, e não é necessário travar
amizades particulares para animar-se mutuamente ao serviço de Deus e ao
trabalho do aperfeiçoamento próprio.
Os
que, vivendo no mundo, desejam dedicar-se à prática da virtude
verdadeira e sólida, precisam, pelo contrário, de se unir aos outros por
uma amizade santa e edificante, para poderem, por meio dela, se animar,
se auxiliar e se estimular ao bem. Há no mundo poucas pessoas que
tendem à perfeição e muitas que não possuem o espírito de Deus e, por
isso, é preciso que os bons, quanto possível, evitem os que podem
impedir seu adiantamento espiritual e travem amizade com os que os podem
auxiliar na prática do bem.
2)
Quanto às amizades puramente naturais, deve-se dizer que elas têm seu
fundamento na nossa natureza, que nos compele a amar nossos pais, nossos
benfeitores e todos aqueles em quem vemos belas qualidades e com quem
simpatizamos. Esta espécie de amizade é o laço da família e da
sociedade, mas facilmente degenera em amizades falsas; por exemplo, se
os pais, por um carinho demasiado, toleram as faltas de seus filhos, ou
se um amigo ofende a Deus para agradar a seu amigo, etc. As amizades
naturais só são agradáveis a Deus se as santificarmos por meio da boa
intenção; por exemplo, amando a nossos pais e amigos por amor de Deus.
3)
Por amizades perigosas entendem-se, em particular, as sensuais, isto é,
aquelas que se baseiam sobre uma complacência sensual, sobre a fruição
comum de prazeres dos sentidos, sobre certas qualidades fúteis e vãs de
espírito e coração. Essas amizades são já por si perigosas, mesmo que,
no começo, nada tenham de inconveniente, e devemos guardar nosso coração
desembaraçado delas.
a)
"Quem não evita relações perigosas, cai facilmente no abismo", diz
Santo Agostinho (Serm. 293). O triste exemplo de Salomão bastaria para
nos encher de terror. Depois de ter sido amado tanto por Deus, servindo
ao Espírito Santo de mão para escrever, travou relações com mulheres
pagãs, já na sua velhice, e caiu tão profundamente que chegou a
sacrificar aos deuses. Isso, porém, não nos deve estranhar, pois, será
para admirar que alguém se queime, permanecendo no meio das chamas?
¬pergunta São Cipriano (De sing. cler.).
Mas
em nossas conversas, graças a Deus, não ocorre nada de mal, dirá
alguém.
Respondo: Todas as amizades que têm sua origem em afeições meramente materiais são, pelo menos, um grande impedimento à perfeição, ainda que não dessem ocasião a outras coisas. Elas, no mínimo, fazem-nos perder o espírito de oração e recolhimento interior; a alma que está presa por uma afeição natural poderá achar-se corporalmente na igreja, mas seu espírito estará se entretendo com o objeto de seu amor; perderá o amor aos Santos Sacramentos; não será mais sincera para com seu confessor, temendo que ele a obrigue a romper com essa cadeia e, envergonhando- se de lhe descobrir sua afeição, não lhe dirá a causa de sua tibieza, e assim se agrava, de dia para dia, seu estado lastimoso. Ao ouvir que fala mal da pessoa amada, se enfurece, defende-a calorosamente; descuida-se da obediência, pois quando o confessor a exorta a renunciar a tal amizade, procura mil desculpas para não ter de obedecer.
Respondo: Todas as amizades que têm sua origem em afeições meramente materiais são, pelo menos, um grande impedimento à perfeição, ainda que não dessem ocasião a outras coisas. Elas, no mínimo, fazem-nos perder o espírito de oração e recolhimento interior; a alma que está presa por uma afeição natural poderá achar-se corporalmente na igreja, mas seu espírito estará se entretendo com o objeto de seu amor; perderá o amor aos Santos Sacramentos; não será mais sincera para com seu confessor, temendo que ele a obrigue a romper com essa cadeia e, envergonhando- se de lhe descobrir sua afeição, não lhe dirá a causa de sua tibieza, e assim se agrava, de dia para dia, seu estado lastimoso. Ao ouvir que fala mal da pessoa amada, se enfurece, defende-a calorosamente; descuida-se da obediência, pois quando o confessor a exorta a renunciar a tal amizade, procura mil desculpas para não ter de obedecer.
Não
é só grande a perda espiritual que se sofre com essas amizades baseadas
sobre certas qualidades externas duma pessoa, mas, principalmente se
for doutro sexo, é também enorme o perigo que se corre de se se perder
eternamente. No começo tais amizades parecem indiferentes, mas tornam-se
pouco a pouco pecaminosas e, enfim, arrastam a alma ao pecado mortal.
"São como o fogo e a palha, e o demônio não cessa de assoprar até
irromper o incêndio", diz São Jerônimo.
Pessoas
de diferentes sexos abrasam-se por causa da muita familiaridade, com a
mesma facilidade com que a palha atingida pelo fogo, e, em certo
sentido, até com mais facilidade, porque o demônio emprega tudo quanto é
apto para atiçar o fogo. Santa Teresa viu-se um dia transportada ao
inferno, onde Deus lhe mostrou o lugar que lhe preparara, se não
rompesse com um apego puramente natural a um seu parente.
b)
Se sentires em teu coração, alma cristã, uma tal afeição para com
alguém, não há outro remédio para te libertares dela, senão cortá-la
resolutamente de uma vez para sempre, pois, se quiseres renunciá-la
pouco a pouco, crê-me, nunca chegarás a desfazer¬te dela. Essas cadeias
são dificílimas de romper, e só o conseguirá quem as quebrar
violentamente, duma só vez. E não venhas com a desculpa de que, até
agora, nada ocorreu de inconveniente, pois deves saber que o demônio não
começa com o pior, mas só pouco a pouco leva a alma imprudente às
bordas do precipício e, então, com um leve empurrão, precipita-as no
abismo.
É
uma máxima aceita por todos os mestres da vida espiritual de que, neste
ponto, não há outro remédio senão fugir e afastar-se da ocasião. São
Filipe Néri costumava dizer que, nesse combate, só os covardes saem
vencedores, isto é, os que fogem da ocasião. Podemos resistir aos outros
vícios ficando na ocasião, diz São Tomás (De mod. conf., c. 14),
fazendo violência contra nós mesmos; mas o vício contrário à pureza,
porém, só o poderemos vencer fugindo da ocasião e renunciando às
afeições perigosas.
Se
sentires, porém, teu coração livre e desembaraçado de tais afeições,
toma todo o cuidado possível para não te emaranhares em laço algum, como
já se tem dado a muitos em razão de sua negligência. Eis o conselho que
te dá São Jerônimo (Ep. ad Eust.): "Se, no trato com alguém, notares
que alguma afeição desregrada se quer apoderar de teu coração,
apressa-te a sufocá-la antes que se torne um gigante. Enquanto o leão é
ainda pequeno, pode ser facilmente trucidado; uma vez crescido,
torna-se-á mui difícil e humanente impossível".
Coisa
verdadeiramente lamentável e vergonhosa seria se permitisses que
fizessem, em tua presença, gracejos indecentes. Não julgues que não
pecas calando-te e simplesmente ouvindo tais gracejos; se não evitares o
mais depressa possível a companhia de um homem tão insolente, já
cooperaste com o seu pecado e te fizeste réu dele. Se receberes de
alguém uma carta com palavras amorosas, rasga-a imediatamente ou lança-a
ao fogo e não lhe dês resposta. Se, por motivo grave, tiveres de
responder, faze-o então em poucas e sérias palavras, e não dês a
entender que notaste as tais palavras e muito menos que achaste nelas
qualquer prazer.
c)
Não repliques também que não há perigo, porque a pessoa de que se trata
é piedosa. São Tomás de Aquino diz (De mod. conf., c. 14): "Quanto mais
santas são as pessoas pelas quais sentimos afeição particular, tanto
mais devemos nos acautelar, porque o alto apreço que fazemos de sua
virtude mais nos estimula ainda a amá-las". O padre Sertório Caputo, da
Companhia de Jesus, diz: "O demônio, a princípio, nos inspira amor à
virtude daquela pessoa, depois o amor à própria pessoa e, finalmente,
nos lança na perdição". O Doutor Angélico faz notar que o demônio sabe
perfeitamente esconder um tal perigo: no começo não dispara seta alguma
que pareça envenenada, mas só tais que excitem a afeição, ocasionando
leves feridas do coração; em seguida, quando o amor já está aceso, essas
pessoas já não se tratam mais como anjos, mas como homens de carne e
sangue: trocam repetidos olhares e palavras amorosas, desejam estar
muitas vezes a sós, juntas e, por fim, a piedade espiritual degenera em
amor carnal.
d)
São Boaventura indica cinco sinais dos quais se pode deduzir se a
afeição que a alguém nos prende é impura. Primeiro: se se entretêm
conversas inúteis; e inúteis são todas as que levam muito tempo.
Segundo: se ocorrem olhares e louvores mútuos. Terceiro: se se desculpam
as faltas reciprocamente [evitando correções para não desagradar].
Quarto: se aparecem pequenos ciúmes. Quinto: se a separação causa certa
inquietação. Eu ajunto ainda: Se se sente grande prazer e gosto nas
maneiras ou gentileza natural da pessoa amada, se se deseja que a
afeição seja correspondida, e se se não gosta de que outros observem,
ouçam ou falem disso.
e)
Mas, mesmo as pessoas que pretendem contrair matrimônio, estarão
obrigadas a sufocar a inclinação ou simpatia recíproca, suposto mesmo
que seja honesta? me perguntará alguém. Se esses futuros esposos
estiverem animados de tais sentimentos, que estejam prontos a empregar
todos os cuidados para tornar remota a ocasião próxima do pecado, e
resolvidos a nunca ofender a Deus por causa de tal afeição, não
precisarão romper com ela. A experiência, porém, ensina que os mais
nobres sentimentos degeneram facilmente em paixão.
Por
esse motivo os teólogos exigem muita cautela com essas pessoas. Sabendo
o quanto o coração humano é inclinado ao pecado e quão fraco quando
dominado por uma paixão, só permitem tais relacionamentos entre os
jovens quando estão em idade e têm vontade séria de se casar; além
disso, que não sejam travadas sem o consentimento dos pais, que não se
prolonguem por muito tempo e só se namorem quando estiver próximo o
casamento; também lhes interditam a conversa a sós, longe das vistas dos
pais, grande familiaridade, e tudo o que possa manchar a pureza da
alma, seja por pensamentos, olhares, palavras ou gestos.
Do
filho de Tobias podemos aprender como os jovens devem se preparar para o
casamento. Na cidade de Ragés, na Média, vivia uma piedosa donzela, de
nome Sara, filha de Raguel. Estava profundamente aflita porque sete
rapazes, que a haviam sucessivamente desposado, haviam sido mortos pelo
demônio da impureza, Asmodeu, na primeira noite depois das núpcias. Ora,
o anjo Rafael, que acompanhara o jovem Tobias em sua viagem a Ragés,
aconselhou-o a pedir Sara em casamento. Ele, porém, a par do ocorrido
com os outros homens, temia expor-se ao mesmo perigo. O Anjo, porém,
tranquilizou- o, dizendo: "Ouve-me... o demônio só tem poder sobre
aqueles que abraçam o estado conjugal excluindo a Deus de seus
pensamentos, para satisfazerem unicamente a sua concupiscência, como o
cavalo e a mula, que não têm entendimento. Tu, porém, quando receberes a
Sara, entra com ela no teu quarto por três dias e três noites,
guardando continência, e não te entregues a outra coisa que à oração, e
então a receberás em matrimônio no temor do Senhor, levado mais pelo
desejo de ter filhos que pela concupiscência, para que sejas abençoado e
teus filhos sirvam e glorifiquem a Deus; então nada terás a temer do
demônio". O jovem Tobias seguiu esse conselho, e seu casamento foi muito
abençoado por Deus.
Notemos
igualmente as quatro exortações dadas a Sara por seus pais, ao se
despedirem dela: Primeiro, honra a teu sogro; segundo, ama a teu marido;
terceiro, cuida em governar bem tua casa; quarto, porta-te em tudo
irrepreensivelmente . Estes avisos devem servir de norma a todos os
jovens que pretendem contrair matrimônio.
f)
O que dissemos até aqui se refere ao trato com pessoas de diferente
sexo. O amor desregrado, todavia, pode existir também existir entre
pessoas do mesmo sexo, principalmente se são ainda moços e existe entre
eles uma familiaridade por demais íntima. A este respeito, São Basílio
diz o seguinte (Serm. de abd. rev.): "Vós que sois ainda jovens, evitai a
companhia de vossos iguais, pois, por meio dessas amizades, o demônio
já arrastou a muitos para o inferno". "Alguns começaram com uma afeição
aparentemente santa, continua ele, mas pouco a pouco precipitou-os o
demônio num lodaçal de vícios os mais abomináveis". Santa Ângela de
Foligno se exprime de modo semelhante (Vit., c. 64): "Ainda que seja o
amor a fonte de todo o bem, não deixa de ser igualmente a fonte de todo o
mal. Não falo do amor impuro, que deve ser evitado em todo o caso, mas
da inclinação, em si inocente, que facilmente pode degenerar em amor
desordenado. O trato mui assíduo com outro, com protestos de afeição,
tem por conseqüência tornar nocivo o amor, visto que ele prende
estreitamente um coração ao outro, obscurecendo a afeição crescente cada
vez mais a razão. Em pouco tempo só quererá um o que o outro quer, e
então não terá mais coragem de resistir ao outro quando for convidado ao
mal, e, assim, se perderão ambos".
Por
isso, os que dedicam à educação da mocidade estão gravemente obrigados a
ter os olhos abertos nesse ponto, e não precisam ter escrúpulos,
suspeitando mal com algum motivo. Se notarem qualquer apego ou
familiaridade entre dois jovens, intervenham imediatamente e
conservem-nos rigorosamente separados um do outro.
g)
Aqui na terra cada um de nós anda por caminhos escabrosos e em trevas, e
se, além disso, ainda um anjo mau, isto é, um mau companheiro, que é
pior que um demônio, nos persegue e impele à perdição, como poderemos
escapar ilesos? Já Platão dizia: "Tomarás os mesmos modos daqueles com
quem convives". Segundo São João Crisóstomo, para se certificar dos
hábitos de alguém, basta saber com quem ele anda, já que os amigos ou
são ou fazem-se semelhantes uns aos outros. E isso por duas causas:
primeiro, porque um se esforça por imitar o outro para lhe ser
agradável; segundo, porque o homem, como nota Sêneca, é inclinado a
fazer o que vê os outros fazerem. Dos israelitas lemos: "Eles se
mesclaram com os gentios e aprenderam suas obras" (Sl 105, 35). Devemos,
portanto, não só fugir do comércio com os impuros, diz o Sábio, mas
também nos conservarmos longe de seus caminhos: "Meu filho, não andes
com eles e não ponhas o pé em seus caminhos" (Prov 1, 15). Devemos
evitar todo o trato com eles, suas conversas ou presentes, com os quais
procuram nos enredar. "Meu filho, se os pecadores te atraírem com seus
afagos, não condescendas com eles" (Prov 1, 10). "Cairá, talvez, uma
ave, no laço armado na terra, sem a isca?" (Am 3, 5). O demônio serve-se
dos maus amigos como de iscas, segundo Jeremias, para prender as almas
em suas redes de pecado. "Meus inimigos, sem motivo, prenderam-me como
se prende uma ave" (Jer 3, 52). Ele diz 'sem motivo' porque, pergunto-se
a um tal sedutor por que aliciou sua pobre vítima ao pecado,
responderá: não havia motivo; eu só queria que ela fizesse como eu. É
exatamente essa a astúcia do demônio, diz Santo Efrém: "Capturada uma
alma em sua rede, serve-se dela como de uma armadilha para prender a
outra" (De rect. viv. rat., c.. 22).
Fujamos,
pois, a toda familiaridade com tais escorpiões infernais, como se foge
da peste. Digo: fujamos à familiaridade, isto é, não travemos amizade
com homens viciosos, evitando tomar parte em sua mesa, banquetes ou
outros convívios com eles. É impossível evitar todo o comércio com eles,
porque então teríamos de sair deste mundo, segundo o Apóstolo (I Cor 5,
10); contudo, é bem possível evitar um trato mais familiar com eles,
seguindo o conselho do mesmo Apóstolo: "Eu vos escrevi que não tenhais
comunicação com eles... com um tal não deveis nem sequer cear". Disse
ainda: Fujamos de tais escorpiões, pois o profeta Ezequiel designa assim
os sedutores: "Pervertedores estão contigo e habitas com escorpiões"
(Ez 2, 6).
Não
ousarias, alma cristã, habitar com escorpiões, e certamente te
afastarias com toda a pressa de sua proximidade. Pois assim deves evitar
os amigos que dão escândalo e envenenam a tua alma com maus exemplos e
conversas perversas. Quanto mais estreitamente estão ligados a nós,
tanto mais perniciosos se tornam.. "Os inimigos do homem são os seus
domésticos" (Mat 10, 36). Na Sagrada Escritura se diz: "Quem se
compadecerá de um encantador mordido pela serpente e de todos os que se
aproximam de animais ferozes? Assim também, quem se compadecerá daquele
que se torna companheiro de um homem iníquo?" (Ecli 12, 13). Se um tal
homem, por motivo do perigo a que se expõe, cai no pecado e se precipita
na condenação eterna, ninguém, nem Deus nem os homens, terá compaixão
dele, pois já fôra advertido do perigo.
Santo Afonso Maria de Ligório
Trecho do TRATADO DA CASTIDADE - Santo Afonso Maria de Ligório