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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tratado da Castidade – Por Santo Afonso Maria de Ligório - parte II

EM HONRA DA MODÉSTIA E DA PUREZA DA SANTÍSSIMA VIRGEM


Deve-se notar também que a modéstia dos olhos é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo. Só Deus vê o nosso coração; os homens veem apenas nossas obras externas e ou se edificam ou se escandalizam com elas. "Pelo rosto se conhece o homem", diz a Escritura (Ecli 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende o que é o homem interiormente. Todo cristão, por isso, deve ser o que era São João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35): "Uma lâmpada que arde e ilumina". (Cf. Tratado - Parte III)

TRATADO DA CASTIDADE

Bem-aventurados os puros.

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO)
 



§ II. DA VIGILÂNCIA SOBRE OS PENSAMENTOS


1) A respeito dos maus pensamentos encontra-se, muitas vezes, um duplo engano:

    a) Almas que temem a Deus e não possuem o dom do discernimento e são inclinadas aos escrúpulos, pensam que todo mau pensamento que lhes sobrevêm é já um pecado. Elas estão enganadas, porque os maus pensamentos em si não são pecados, mas só e unicamente o consentimento neles. A malícia do pecado mortal consiste toda e só na má vontade, que se entrega ao pecado, com claro conhecimento de sua maldade e plena deliberação de sua parte. E, por isto, Santo Agostinho ensina que não pode haver pecado onde falta o consentimento da vontade.
    Por mais que sejamos atormentados pelas tentações, pela rebelião de nossos sentidos, pelas comoções ou sensações desregradas de nossa natureza corpórea, não existe pecado algum enquanto faltar o consentimento, como ensina também São Bernardo, dizendo: "O sentimento não causa dano algum, contanto que não sobrevenha o consentimento".
    Para consolar tais almas timoratas e escrupulosas, quero oferecer-lhes aqui uma regra prática, aceita por quase todos os teólogos: Quando uma alma que teme a Deus e detesta o pecado duvida se consentiu ou não em um mau pensamento, não está obrigada a confessar-se disso, porque, em tal caso, se tivesse realmente cometido um pecado mortal, não estaria em dúvida a esse respeito, porque o pecado mortal, para uma alma que teme a Deus, é um monstro tão horrendo que não poderá ter entrada em seu coração sem o perceber.


    b) Outros, que possuem uma consciência mais relaxada e são mal instruídos, julgam, pelo contrário, que os maus pensamentos nunca são pecados, mesmo havendo consentimento neles, contanto que não se chegue a praticar. Este erro é muito mais pernicioso que o primeiro. O que se não pode fazer, não se pode também desejar; por isso, o mau pensamento em si contêm toda a malícia do ato. Assim como as más obras nos separam de Deus, também os maus pensamentos nos afastam d'Ele e nos privam de Sua graça. "Pensamentos perversos nos separam de Deus" (Sab 1, 3). Como as más obras estão patentes aos olhos de Deus, também Sua vista alcança todos os nossos maus pensamentos para condená-los e puni-los, pois "um Deus de ciência é o Senhor, e diante d'Ele estão patentes todos os pensamentos" (I Rs 2, 3).


2) Logo, nem todos os maus pensamentos são pecados, e nem todos os que são pecados trazem em si o mesmo cunho de malícia. Devemos considerar três coisas quando se trata de um pecado de pensamento, a saber: a sugestão, a deliberação e o consentimento. Alguns esclarecimentos a esse respeito:

    a) Sob a palavra sugestão entende-se o primeiro pensamento que nos incita a praticar o mal que nos vem à mente. Esta instigação ou incitamento ainda não é pecado; se a vontade a repele imediatamente, é mesmo uma fonte de merecimentos. "Para cada tentação a que opuseres resistência, se te deverá uma coroa", diz Santo Antão. Até os Santos foram perseguidos por tais pensamentos. São Bento revolveu-se sobre os espinhos para vencer uma tentação impura, e São Pedro de Alcântara lançou-se em poço de água gelada. São Paulo nos informa que também ele foi tentado contra a pureza: "E para que a grandeza das revelações não me ensoberbece, foi-me dado um espinho em minha carne, um anjo de satanás para me esbofetear" (2 Cor 12, 7). O Apóstolo suplicou várias vezes ao Senhor que o livrasse desse inimigo: "Por essa causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de mim". O Senhor não quis, porém, dispensá-lo do combate, e respondeu-lhe: "Basta-te a minha graça". E por que não queria o Senhor livrá-lo? Para que adquirisse maiores méritos por sua resistência à tentação: "Porque a virtude se aperfeiçoa na fraqueza". São Francisco de Sales diz que, quando um ladrão procura arrombar uma porta, é porque não está ainda dentro da casa; assim também quando o demônio tenta uma alma é porque se acha ela ainda na graça de Deus.
    Santa Catarina de Sena foi uma vez horrivelmente atormentada pelo demônio, durante três dias, com fortes tentações impuras. Apareceu-lhe, então, o Senhor para consolá-la, e ela perguntou-Lhe: "Mas onde estivestes, Senhor meu, durante estes três dias?". Jesus respondeu-lhe: "Dentro do teu coração, dando-te força para resistires à tentação". E o Senhor deu-lhe a conhecer que o seu coração estava, depois da tentação, mais puro que antes.

    b) À sugestão segue-se a deleitação. Quando nos damos ao trabalho de repelir imediatamente a tentação, sentimos nela uma certa complacência ou prazer, que nos vai arrastando ao consentimento. Mesmo então, se a vontade não dá seu assentimento, não há pecado mortal; quando muito, poderá haver pecado venial. Se, porém, não recorrermos então a Deus e não nos esforçarmos por resistir à tentação, facilmente nos sentiremos arrastados ao consentimento e perdidos, segundo as palavras de Santo Anselmo (De similit.., c. 40): "Se não procuramos impedir a deleitação, ela se transformará em consentimento e matará a alma".
    Uma senhora que tinha fama de santa teve, um dia, um mau pensamento que não repeliu imediatamente e pecou por pensamento. Por vergonha, deixou de confessar esse pensamento criminoso e morreu, pouco depois, em estado de pecado. Porque morreu com fama de santidade, mandou o bispo que fosse sepultada em sua própria capela. No dia seguinte, porém, apareceu-lhe ela, toda circundada de fogo, e confessou-­lhe, infelizmente já tarde demais, que estava condenada por ter consentido num mau pensamento.

    c) Toda a malícia do mau pensamento está, porém, no consentimento. Havendo pleno consentimento, perde-se a graça de Deus e chama-se sobre si a condenação eterna, quer se tenha o desejo de cometer um pecado determinado, quer se pense ou reflita com prazer no pecado como se o estivesse cometendo. Esta última espécie de pecado chama-se uma deleitação deliberada ou morosa, e deve-se distinguir bem da primeira, isto é, do pecado de desejo.


3) Se fores, pois, molestada por tais tentações, alma cristã, não deves perder a coragem, antes, animosamente combater, empregando os meios que te vou indicar, e não sucumbirás:

    a) O primeiro é humilhar-se continuamente diante de Deus. O Senhor castiga muitas vezes os espíritos soberbos, permitindo que caiam em qualquer pecado impuro. Sê, pois, humilde, e não confies em tuas próprias forças. Davi confessa que caiu no pecado por não ter se humilhado e ter confiado demais em si mesmo: "Antes de me haver humilhado, eu pequei" (Sl 118, 67). Devemos temer sempre a nossa própria fraqueza e colocar em Deus toda a nossa confiança, esperando firmemente que nos preserve desse vício.

    b) O segundo meio é recorrer imediatamente a Deus, sem entrar em diálogo com a tentação. Logo que se apresentar ao nosso espírito um pensamento impuro, devemos elevar a Deus imediatamente o nosso pensamento ou dirigi-lo a qualquer objeto indiferente. A coisa melhor será invocar imediatamente os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria, e não cessar de repeti-los até desaparecer a tentação. Se ela for muito forte, será bom repetir muitas vezes o seguinte propósito: Ó meu Deus, prefiro morrer a Vos ofender. Peça-se socorro, dizendo: Ó meu Jesus, socorrei-me. Maria, assisti-me. Os Nomes de Jesus, Maria e José possuem uma força especial para afugentar as tentações do demônio.

    c) O terceiro meio é a recepção assídua dos Santos Sacramentos da Confissão e da Comunhão. É de suma importância revelar quanto antes ao confessor as tentações impuras. "Uma tentação revelada já está meio vencida", diz São Filipe Néri. E se alguém teve a infelicidade de consentir em uma tentação, não se demore nenhum instante em se confessar disso. São Filipe Néri livrou um rapaz desse vício, induzindo-o a confessar-se logo depois de cada queda.
    A Santa Comunhão, está fora de dúvida, confere uma grande força na resistência às tentações desonestas. O Sangue de Jesus Cristo, que recebemos na Sagrada Comunhão é chamado pelos Santos de 'Vinho gerador de Virgens' (Zac 9, 17). O vinho natural é um perigo para a castidade; este Vinho Celestial é o seu conservador.

    d) O quarto meio é a devoção à Imaculada Mãe de Deus, que é chamada a Virgem das Virgens. Quantos jovens não se conservaram puros e castos como Anjos devido à devoção à Santíssima Virgem!

    e) O quinto meio é a fuga da ociosidade. O Espírito Santo diz (Ecli 33, 21): "A ociosidade ensina muita coisa má", isto é, ensina a cometer muitos pecados. E o profeta Ezequiel (Ez 16, 49) assevera que foi a ociosidade a causa das abominações e ruína final dos habitantes de Sodoma. Conforme São Bernardo, a ociosidade motivou a queda de Salomão. Por isso São Jerônimo exorta a Rústico (Ep. ad Rust., 2) que esteja sempre ocupado, para que o demônio não o preocupe com suas tentações. "Quem trabalha é tentado por um demônio só; quem vive ocioso, é atacado por uma multidão deles", diz São Boaventura.

    f) O sexto meio consiste no emprego de todas as precauções exigidas pela prudência, tais como a modéstia dos olhos, a vigilância sobre as inclinações do coração, a fugida das ocasiões perigosas etc



(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Escola da Perfeição Cristã, compilação de textos do Santo Doutor pelo padre Saint-Omer, CSSR, tradução do padre José Lopes, CSSR, IV Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1955, páginas 186-204 e 338­343).  

Continua amanhã...

Tratado da Castidade - Parte I.

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