DA MODÉSTIA DOS OLHOS
PARTE FINAL
Está fora de dúvida que um cristão que vive sem recolhimento de espírito não pode praticar as virtudes cristãs da humildade, da paciência, da mortificação, como deveria. Guardemo-nos, por isso, de olhares curiosos, e só olhemos para objetos que elevam para Deus o nosso espírito.
"Olhos baixos elevam o coração para o Céu", dizia São Bernardo. São Gregório Nazianzeno (Ep. ad Diocl.) escreve: "Onde habita Cristo com Seu amor, reina aí a modéstia". Com isso não quero, porém, dizer que nunca se deva levantar os olhos ou considerar coisa alguma; pelo contrário, é até bom, às vezes, olhar coisas que elevam nosso coração para Deus, como santas imagens, prados floridos, etc, já que a beleza dessa criatura nos atrai à contemplação do Criador.
Deve-se notar também que a modéstia dos olhos é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo. Só Deus vê o nosso coração; os homens veem apenas nossas obras externas e, ou se edificam, ou se escandalizam com elas. "Pelo rosto se conhece o homem", diz a Escritura (Ecli 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende o que é o homem interiormente. Todo cristão, por isso, deve ser o que era São João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35): "Uma lâmpada que arde e ilumina". Interiormente deve arder em amor divino; exteriormente, alumiar, pela modéstia, a todos os que o veem. Também a nós se podem aplicar as palavras que São Paulo dirigiu a seus discípulos (I Cor 4, 9): "Somos o espetáculo dos anjos e dos homens". "A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens" (Filip 4, 5).
Pessoas devotas são observadas pelos anjos e pelos homens, e, por isso, sua modéstia deve ser notória a todos, do contrário, deverão dar rigorosas contas a Deus no dia do Juízo.
Observando a modéstia, edificamos sumamente os outros e os estimulamos à prática da virtude. É celebre o que se conta de São Francisco de Assis: Uma vez deixou ele o convento junto a uma companheiro, dizendo que ia pregar; tendo dado uma volta pela cidade com os olhos baixos, entrou novamente no convento. 'Mas quando farás o sermão?', perguntou-lhe o companheiro. 'Já o fiz, respondeu-lhe o Santo, consistiu todo no resguardo dos olhos, do que demos exemplo ao povo'.
Santo Ambrósio diz que a modéstia das pessoas virtuosas é uma exortação mui poderosa ao coração dos mundanos. "Quão belo não seria se bastasse te apresentares em público para fazeres bem aos outros!" (In ps. 118, s. 10). De São Bernardino de Sena se conta que, mesmo antes de entrar para o convento, bastava só a sua presença para pôr fim às conversas livres de seus companheiros; mal o avistavam, diziam uns para os outros: Silêncio, Bernardino vem vindo; e então calavam-se ou começavam a falar de outras coisas. Santo Efrém, segundo o testemunho de São Gregório de Nissa, era tão modesto, que já a sua vista estimulava à devoção, e não se podia vê-lo sem se sentir levado a se tornar melhor.
Mais admirável ainda é o que nos refere Suvio, do santo sacerdote e mártir Luciano: só por sua modéstia moveu muitos pagãos a abraçarem a santa Fé. O imperador Maximiano, que fora disso informado, temendo sentir a sua influência e ser obrigado a converter-se, citou-o à sua presença, mas não quis vê-lo, e sujeitou-o ao interrogatório ocultando-o a suas vistas por uma cortina estendida entre os dois.
Nosso ideal mais perfeito de modéstia foi, porém, o nosso Divino Salvador mesmo, pois, como nota um célebre autor, os Evangelistas dizem, várias vezes, que o Redentor levantou os olhos em certas ocasiões, dando a entender, com isso, que tinha ordinariamente os olhos baixos. Por isso exalta o Apóstolo a modéstia de seu Divino Mestre, escrevendo a seus discípulos: "Rogo-vos pela mansidão e modéstia de Cristo" (II Cor 10, 1).
Concluo com as palavras de São Basílio a seus monges: "Se quisermos que nossa alma tenha suas vistas sempre postas no Céu, filhos queridos, conservemos nossos olhos sempre voltados para a terra".
De manhã, ao despertar, devemos já pedir, com o Profeta: "Afastai meus olhos, Senhor, para que não vejam a vaidade" (Sl 118, 37).
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"ESCOLA DA PERFEIÇÃO" - (Obra compilada dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja, vertida para o português segundo a edição alemã do Pe. Paulo Leick pelo Pe. José Lopes, C. SS. R, 1955)
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