7 — É cousa dificílima que um bom cristão seja culpado de juízo temerário, isto é, que condene o seu próximo com certeza de juízo, sem motivos justos para isso. Ordinariamente não são senão suspeitas ou temores, e para isso bastam motivos muito menos fortes.
8 — A suspeita é permitida quando tem por objeto o cuidado dos seus próprios interesses. Aquele que receia formar suspeitas não é um homem virtuoso, mas imprudente e néscio.
A caridade cristã proíbe a malícia dos pensamentos e não a vigilância e circunspecção.
9 — A suspeita é também permitida, e até algumas vezes de obrigação, principalmente nas pessoas que tem a seu cargo dirigir outras: como são os pais a respeito de seus filhos, os amos a respeito de seus criados; pois nesse caso, trata-se de remediar um mal que existe, ou de impedi-lo quando haja motivos razoáveis para receá-lo.
10 —- Uma coisa é supor um mal como possível, outra coisa é supô-lo como real. Na primeira suposição não há o menor pecado. Encontrais numa mata um homem armado de espingarda, que pode ser um caçador; suspeitando que talvez seja um ladrão, acautelai-vos... Nisto não cometeis pecado algum, pois suspeitais que o mal é possível, sem todavia crer que ele exista.
11 — É necessário também não confundirmos a desconfiança com a suspeita. A desconfiança ou terror é um estado passivo, que não depende de nossa vontade, a suspeita, pelo contrario, é um ato voluntário da nossa alma.
12 — A suspeita nasce muitas vezes de um temperamento tímido e propenso à tristeza. Quando não há intervenção do entendimento que distingue e da vontade que aprova, a suspeita, ainda a que não tem fundamento algum, não é pecado. Tenhamos sempre diante dos olhos o grande princípio que Santo Agostinho recomenda muitas vezes: “ O mal, que não é conhecido nem é voluntário, deixa de ser um mal, isto é, deixa de ser pecado.”