“A solidariedade familiar,
exprimindo-se se necessário pelo recurso às armas, resolvia então o difícil
problema da segurança pessoal e a do domínio.
Em certas províncias, particularmente
no norte da França, a habitação traduz esse sentimento da solidariedade.
O principal compartimento da casa é a
sala, que congrega diante da sua vasta lareira a família. Nela se juntam para
comer, para festejar os casamentos e os aniversários e para velar os mortos.
Corresponde ao hall dos costumes
anglo-saxões, pois a Inglaterra teve na Idade Média costumes semelhantes aos
nossos, aos quais permaneceu fiel em muitos pontos.
A esta comunidade de bens e de afeição
é necessário um administrador, e naturalmente o pai de família desempenha
este papel.
Mas a autoridade que ele desfruta é
antes a de um gerente, em lugar de ser a de um chefe, absoluta e pessoal como
no direito romano.
Trata-se de um gerente responsável,
diretamente interessado na prosperidade da casa, mas que cumpre um dever mais
do que exerce um direito.
Proteger os seres fracos — mulheres, crianças, servos — que vivem debaixo do seu teto, assegurar
a gestão do patrimônio, tal é o seu encargo, mas não é considerado o chefe
definitivo da casa familiar nem o proprietário do domínio.
Embora desfrute os seus bens
patrimoniais, tem apenas o seu usufruto.
Tal como os recebeu dos antepassados,
deve transmiti-los àqueles cujo nascimento designará para lhe sucederem.
O verdadeiro proprietário é a família,
não o indivíduo.
Do mesmo modo, embora possua toda a
autoridade necessária para as suas funções, o pai de família está longe de ter,
sobre a mulher e os filhos, esse poder sem limites que lhe concedia o direito
romano.
A mulher colabora na mainbournie,
quer dizer, na administração da comunidade e na educação dos filhos.
Ele gere os bens próprios, porque o
consideram mais apto do que ela para os fazer prosperar, coisa que não se
consegue sem esforço e sem trabalho.
Mas quando ele tem de se ausentar, por
uma razão qualquer, a mulher retoma essa gestão sem o mínimo obstáculo e sem
autorização prévia.
Guarda-se tão viva a recordação da
origem da sua fortuna, que no caso de a mulher morrer sem filhos os seus bens
próprios voltam integralmente para a sua família.
Nenhum contrato pode opor-se a isto, as
coisas passam-se naturalmente assim.
Em relação aos filhos, o pai é o
guardião, o protetor e o mestre. A sua autoridade paterna cessa na
maioridade, que adquirem muito jovens, quase sempre aos quatorze anos entre os
plebeus.
Entre os nobres, a idade varia de
quatorze a vinte anos, porque têm de fornecer para a defesa do feudo um serviço
mais ativo, que exige forças e experiência.
Os reis da França eram considerados
maiores com quatorze ou quinze anos, e sabe-se que foi com esta idade que
Filipe Augusto atacou à frente de suas tropas.
Uma vez maior, o jovem continua a gozar
da proteção dos seus e da solidariedade familiar.
Porém, diferentemente do que se
passava em Roma, e consequentemente nos países de direito escrito, adquire
plena liberdade de iniciativa e pode afastar-se, fundar uma família,
administrar os seus próprios bens como entender.
Logo que é capaz de agir por si mesmo,
nada entrava a sua atividade e ele torna-se senhor de si próprio, mantendo no
entanto o apoio da família de que saiu.
É uma cena clássica dos romances de
cavalaria ver os filhos da casa, logo que estão em idade de usar armas e de
receber a investidura, deixar a residência paterna para correr o mundo ou ir
servir o seu suserano
A noção da família assim compreendida
repousa sobre uma base material — a herança de família, bem fundiário em geral
— porque desde os começos da Idade Média a terra constitui a única fonte de
riqueza, e permanece consequentemente o bem estável por excelência.”
(Autor: Régine Pernoud,
“Lumière du Moyen Âge” –
Bernard Grasset Éditeur,
Paris, 1944)
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