“A gula é o amor desordenado do comer e do
beber.
Somos gulosos, filhos meus, quando tomamos o
alimento em excesso, mais do que o requerido para o sustento do nosso pobre
corpo; quando bebemos além do que é necessário, de modo a perder nossos
sentidos e nossa razão...
Ó, como é vergonhoso este vício! Como isto nos degrada!
Vede, ele nos põe abaixo dos animais brutos: eles
nunca bebem mais do que para saciar sua sede; eles se contentam em comer o
suficiente; e nós, quando já temos saciado nosso apetite, quando nosso corpo já
não aguenta mais, ainda queremos ir atrás de todo tipo de pequenas iguarias;
enchemo-nos de vinhos e licores! Não é isto deplorável? Nem podemos mais nos
segurar sobre nossos joelhos; caímos, rolamos nas valas e na lama, tornamo-nos
o alvo do riso de todos, e até mesmo um joguete para as criancinhas...
Se a morte
nos surpreendesse nesse estado, meus
filhos, não teríamos nem tempo de nos recompor; cairíamos nessa situação nas
mãos do bom Deus. Que desventura, meus filhos! Como nossa alma se
surpreenderia! Como ficaria atônita!
Deveríamos
tremer de horror ao ver os perdidos que estão no Inferno... Não nos deixemos guiar por nosso apetite;
arruinaremos nossa saúde, perderemos nossa alma...
Vede, meus filhos, a intemperança e a devassidão são o sustento dos médicos, é o que
lhes faz viver e lhes dá uma boa prática... Ouvimos todo dia como um tal estava
bêbado e, caindo, quebrou a perna; outro, atravessando um rio numa tábua, caiu
na água e afogou-se... A intemperança e a embriaguez são a companhia dos ricos
iníquos.
Um
momento de [certo] prazer neste mundo nos custará muito caro no outro. Lá [os
homens] serão atormentados por uma fome raivosa e uma sede devoradora; não
terão uma gota d'água para se refrescar; suas língua e seus corpos serão
consumidos pelas chamas pela inteira eternidade...
Ó meus
filhos! Nós nem pensamos nessas coisas, e talvez isso não vá deixar de acontecer
a alguns dentre nós antes do ano acabar!
São Paulo disse que aqueles que se entregam ao excesso no
comer e no beber não terão o reino de Deus. Reflitamos sobre
essas palavras!
Olhai para os santos: Santa Isabel, Rainha de
Portugal, jejuava por todo o Advento e também do dia de São João Batista
(24/06) até a Assunção (15/08). Pouco depois, ela começava outra Quaresma, que
durava até a festa de São Miguel. Ela vivia apenas de pão e água nas sextas e
sábados, e nas vigílias das festas da Bem-aventurada Virgem e dos Apóstolos.
Dizem que São Bernardo tomava óleo no lugar de
vinho. Santo Isidoro nunca comia sem verter lágrimas! Se fôssemos bons cristãos, faríamos como os
santos fizeram.
Deveríamos fazer
um bom negócio pelo Céu em nossas refeições; deveríamos privar-nos de várias coisinhas de modo
a, sem que isto causasse dano ao nosso corpo, oferecermos algo bastante
agradável ao bom Deus; mas escolhemos antes satisfazer nosso gosto do que
agradar a Deus; nós afogamos, nós sufocamos nossa alma no vinho e na comida.
Meus filhos, Deus não nos dirá no Dia do Juízo: "Dá-me conta do teu corpo",
mas "Dá-me
conta da tua alma; que fizeste com ela?"...
O
que lhe responderemos?
Acaso temos mais cuidado com nossa alma do que com
nosso corpo?
Ó meus filhos! Não
vivamos mais pelo prazer da comida; vivamos como os santos viveram;
mortifiquemo-nos como eles foram mortificados. Os santos nunca se
deleitavam nos prazeres da boa comida. O
prazer deles estava em alimentar-se de Jesus Cristo! Sigamos seus passos
nesta terra, e nós ganharemos a coroa que eles possuem no Céu."
São João Maria Vianney
O Cura de Ars
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